quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Considerações gerais sobre o indiciamento e a identificação criminal do civilmente identificado

(Lei n. 12.037, de 01 de outubro de 2009)

Considera-se indiciamento a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal, sempre que houver razoáveis indícios de sua autoria. De acordo com Sérgio M. de Moraes Pitombo (Inquérito policial: novas tendências, Cejup, 1987, p. 38), o indiciamento “contém uma proposição, no sentido de guardar função declarativa de autoria provável. Suscetível, é certo, de avaliar-se, depois, como verdadeiramente, ou logicamente falsa. Consiste, pois, em rascunho de eventual acusação; do mesmo modo que as denúncias e queixas, também se manifestam quais esboços da sentença penal”.

É a declaração do, até então, mero suspeito como sendo o provável autor do fato infringente da norma penal. Deve (ou deveria) resultar da concreta convergência de sinais que atribuam a provável autoria do crime a determinado, ou a determinados, suspeitos. Com o indiciamento, todas as investigações passam a se concentrar sobre a pessoa do indiciado.

No indiciamento, a autoridade policial deve proceder à identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, salvo se ele já tiver sido civilmente identificado (CF, art. 5º, LVIII). A Súmula 568 do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”. Contudo, a Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, em seu art. 5º, LVIII, assim dispôs: “O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (grifo nosso). Com isso, passou a prevalecer o entendimento de que, com a nova regulamentação da matéria, a autoridade policial não pode mais submeter pessoa civilmente identificada, e portadora de carteira de identidade civil, ao processo de identificação criminal.

A norma constitucional em questão é de eficácia contida, uma vez que estabelece um princípio geral, o qual é passível de ser reduzido por meio de dispositivo inferior. Com efeito, embora a Constituição assegure que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, ressalva a possibilidade de o legislador infraconstitucional estabelecer algumas hipóteses em que até mesmo o portador da cédula de identidade civil esteja obrigado a submeter-se à identificação criminal. E tais hipóteses já foram estabelecidas.

A Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95), em seu art. 5º, preceituou: “A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.

Posteriormente, a Lei n. 10.054, de 07 de dezembro de 2000, passou também a disciplinar a identificação criminal do civilmente identificado, surgindo, com isso, um precedente do STJ no sentido da revogação do art. 5º da Lei n. 9.034/95. Seu teor é o seguinte: “O art. 3º, caput e incisos, da Lei n. 10.054/2000 enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5º da Lei n. 9.034/95, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência de identificação civil. (STJ, 5ª T., RHC 12.965/DF, rel. Min. Felix Fischer, j. 7-10-2003, DJ, 10 nov. 2003, p. 197).

A Lei n. 10.054/2000, porém, acabou por ser revogado pela Lei n. 12.037, de 01 de outubro de 2009, o qual passou a regulamentar o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.

O novo Diploma Legal disciplinou no art. 2º as formas em que será atestada a identificação civil: (I) - carteira de identidade; (II) - carteira de trabalho; (III) - carteira profissional; (IV) - passaporte; (V )- carteira de identificação funcional; (VI) - outro documento público que permita a identificação do indiciado. E, ainda, dispôs que, para as finalidades da Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares (cf. parágrafo único).

O art. 3º da aludida Lei previu que, embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: (I) o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; (II) o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; (III) o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; (IV) a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; (V) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; (VI) o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Dessa forma, ao contrário do antigo Diploma legal, não há mais qualquer menção à identificação criminal no caso de indiciamento ou acusação por homicídio doloso, crime contra o patrimônio mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual e falsificação de documento público. Assim, o sujeito não mais será submetido à identificação criminal apenas pelo fato de estar sendo indiciado por este ou aquele crime, sem qualquer circunstância que justifique a cautela. No entanto, a Lei, de outro lado, no inciso IV possibilitou que, diante da prática de qualquer delito, a autoridade judicial em despacho decida acerca da essencialidade da identificação criminal, mediante representação da autoridade policial, Ministério Público, defesa ou de ofício.

E, ainda, segundo a letra da Lei: (a) as cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado (art. 3º, parágrafo único). (b) quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado (art. 4º). (c) a identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação (art. 5º). (d) é vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 6º). (e) no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil (art. 7º).

Recusando-se à identificação, nas hipóteses legais, o indiciado será conduzido coercitivamente à presença da autoridade (CPP, art. 260), podendo, ainda, responder por crime de desobediência.

Finalmente, dentre as providências a serem tomadas pela autoridade policial quando do indiciamento, deverá, ainda, ser juntada aos autos a sua folha de antecedentes, averiguada a sua vida pregressa e, se a autoridade julgar conveniente, procedida a identificação mediante tomada fotográfica, pois como já assinalado, a identificação criminal compreende a datiloscópica (impressões digitais) e a fotográfica (art. 5º da Lei n. 12.037/2009). As providências do inciso IX do art. 6º do Código de Processo Penal assumem especial relevância no momento da prolação da sentença, pois fornecem ao magistrado os elementos necessários à individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI; CP, art. 59).




FONTE: Fernando Capez

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Crise nas prisões: Apoio do IBCCRIM ao Juiz de Minas Gerais

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) vem a público externar seu apoio ao Dr. Livingsthon Machado por ocasião da determinação da soltura de presos que se encontravam cumprindo pena em carceragens de delegacias de polícia no município de Contagem (MG). A decisão foi motivada pelas péssimas condições a que os presos estavam submetidos: capacidade populacional excedida em mais de seis vezes, ambiente insalubre, exposição a doenças infecto-contagiosas etc.

Trata-se de episódio em que o magistrado realizou sua função constitucional à plenitude, é dizer, ao observar agressão à dignidade humana, promovida pelo Estado, agiu o Juiz no sentido de afastar essa circunstância, não admitida em nosso ordenamento. Fez valer as garantias atinentes à pena, sobretudo a vedação de penas cruéis. Atuou tirando a poeira da seguinte frase, contida grosso modo em todos os manuais de processo penal e desmentida em todas as instituições totais brasileiras: “a pena atinge apenas a liberdade do preso, não se espraiando para aqueles direitos não atingidos pela sentença, tais como a integridade física, etc.”. Com efeito, quando a pena excede a previsão legal, isto é, a privação da liberdade, esta se transforma em mero exercício arbitrário de poder e deve o Judiciário zelar para que isso não ocorra, como bem fê-lo o Dr. Machado.

É bem verdade que soltar às ruas os presos não há de resolver o complexo problema da criminalidade ou aliviar as mazelas dos sistemas penitenciários. É igualmente verdade, todavia, que nenhum argumento de ordem administrativa ou orçamentária pode ser mais pesado, em um Estado Democrático de Direito, do que a dignidade humana.

Fonte: Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais