terça-feira, 18 de agosto de 2009

O princípio da insignificância: seu conceito e aplicação no século XXI

O princípio da insignificância é originário do Direito Romano, e foi reintroduzido no sistema penal por Claus Roxin, na Alemanha, no ano de 1964. Fundado no brocardo minimis non curat praetor, sustenta que quando a lesão é insignificante, não há necessidade de aplicação de uma pena, pois não se trata de fato punível.
Mas o que é o princípio da insignificância ?
O princípio da insignificância, ou também chamado crime de bagatela próprio, ocorre quando uma ação tipificada como crime, praticada por determinada pessoa, é irrelevante, não causando qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico ou à própria vítima. Aqui não se discute se a conduta praticada é crime ou não, pois é caso de excludente de tipicidade do fato, diante do desvalor e desproporção do resultado, no caso, insignificante, onde a atuação estatal com a incidência de um processo e de uma pena seria injusto, ou como afirma o Professor Luis Flávio Gomes, "apresenta-se como aberrantes (chocantes). Não se pode usar o Direito Penal por causa de uma lesão tão ínfima".(1)
Embora não haja previsão no ordenamento jurídico sobre o crime de bagatela, ele é aplicado caso a caso, de forma concreta e não abstrata.
Apesar de não haver previsão no ordenamento jurídico, sua aceitação é cada vez maior dentre os Tribunais Pátrios, mas ainda ocorrem casos vergonhosos, onde o princípio de insignificância é ignorado, causando, em alguns casos, resultados e danos irreversíveis.
Para aqueles que não lembram, e que atesta o afirmado acima, um caso chocante que ocorreu há cinco anos, onde Maria Aparecida, uma ex-empregada doméstica e portadora de "retardo mental moderado", foi detida em flagrante em abril de 2004, quando tinha 23 anos, após tentar furtar um xampu e um condicionador que, juntos, custavam 24 reais, e ficou presa por mais de um ano.
Ela foi encaminhada ao Cadeião de Pinheiros, onde dividia uma cela com mais 25 presas. A jovem sofria surtos, não dormia à noite, urinava na roupa, o que provocou um tumulto, que foi encerrado com o lançamento de uma bomba de gás lacrimogêneo dentro da cela. Diante do desespero de Maria Aparecida, uma das presas jogou água em seu rosto, e a mistura do gás com a água fez com que ela perdesse a visão. Aos gritos de dor, ela foi transferida para local destinado as presas ameaçadas de morte, e ainda, agredida várias vezes com cabo de vassoura.
Somente após sete meses de prisão, foi realizada uma audiência, e ela foi transferida para a Casa de Custódia de Franco da Rocha, em São Paulo, onde foi atestada a perda da visão de seu olho direito. A advogada contratada pela irmã de Maria Aparecida entrou com pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi negado. Apelou, então, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual a concedeu, em maio de 2005, liberdade provisória, após 13 meses de prisão, sofrimento e perda de sentido, por causa de 24 reais.
Situações como estas ocorrem diversas vezes, onde após passar por três instâncias do Judiciário, os ministros do Supremo Tribunal Federal são chamados para análise de prisões decorrentes de furtos de objetos de valor insignificante, através de pedidos de habeas corpus. A maioria dos pedidos são impetrados pela Defensoria Pública da União contra decisões do Superior Tribunal de Justiça, que mantêm as prisões decorrentes de furtos de objetos de pequeno valor, causando além de resultados irreversíveis, como também excesso de processos que causam lentidões e entrava ainda mais a nossa morosa Justiça Brasileira.
A pergunta que fica é, se a pessoa que furta uma maça, ou um mísero xampu e condicionador, deve ser tratada de forma igual a uma outra que arromba a porta de uma loja e furta cinco mil reais em roupas?
A não condenação nesses casos, não seria um incentivo à proliferação das ações praticadas não em estado de necessidade, mas em um país com tantas diferenças salariais, educacionais, seria sim um incentivo a não prática de crimes obsoletos e a não marginalização, com aplicação de penas de multas ou alternativas.
(1) - Revista Diálogo Jurídico. Ano I - Vol. I - Nº. 1 - abril de 2001 - Salvador - Bahia - Brasil. Delito de Bagatela: Princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato.
TEIXEIRA, Mariana. O princípio da insignificância: seu conceito e aplicação no século XXI .