terça-feira, 3 de novembro de 2009

Prescrição da pretensão punitiva em perspectiva

A prescrição em perspectiva é a prescrição retroativa que pode ser reconhecida antes mesmo do oferecimento da denúncia, tendo por base a suposta ou provável pena em concreto que seria imposta ao réu no caso de condenação, na sentença, pelo magistrado.

Conforme salienta a jurisprudência:

“De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão “ex officio” de “habeas corpus” para trancar a ação penal”. (TACRIM-SP – HC – Re. Sérgio Carvalhosa – RT 6669/3-15)

Isto porque a prescrição, na forma do art. 61 do CPP, é de ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição e também de ofício pelo juiz.

A prescrição em perspectiva ocorre por razões óbvias, seja por política criminal, consistentes em auxiliar a administração da justiça, que se encontra sobrecarregada de processos, tornando-a mais célere, seja para economizar recursos humanos e materiais, uma vez que pessoas e equipamentos serão poupados, ou mesmo, evitar o desgaste judicial provocado pela ineficácia das decisões.

Em suma, o que se busca com a aplicação de tal instituto, nada mais é que evitar que a máquina estatal seja movimentada sem razão, isto porque razão nenhuma assiste tal movimentação para, ao final, e só ao final, ser declarada extinta a punibilidade.

Assim elucida-nos com o conhecimento o processualista Humberto T. Júnior, quando diz que:

“... o processo, hoje, não pode ser visto como mero rito ou procedimento. Mas igualmente, não pode reduzir-se a palco de elucubrações dogmáticas, para recreio de pensadores isotéricos. O processo de nosso final de século, é sobretudo um instrumento de realização efetiva dos direitos subjetivos violados ou ameaçados de realização pronta, célere e pouco onerosa. Enfim, um processo a serviço de metas não apenas legais, mas também sociais e políticas. Um processo que, além de legal, seja sobretudo um instrumento de justiça” (Revista Jurídica, Síntese, Ano XLVI - nº 251 - setembro de 1.998, p. 7).

O pedido a ser formulado para a movimentação do processo em peça acusatória deve ser a aplicação de uma sanção penal.

Desta forma, pode-se perceber que ausentes se fazem as condições da ação em tal situação.

Ademais, o interesse de agir, por ser essencial à existência da ação, pressupõe a idoneidade do provimento solicitado para fazer atuar a tutela jurisdicional necessária; em outras palavras, o interesse de agir subsistirá só quando dirigido a obter uma providência tecnicamente útil.

No que tange a este último aspecto, questiona-se, em verdade, se há interesse de agir à acusação em movimentar um oneroso processo, quando, pelas circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, se possa, desde logo, antever-se o reconhecimento doravante da prescrição da pretensão punitiva retroativa. A resposta como cristalinamente observa-se só pode ser negativa.

“É a prescrição retroativa reconhecida antes mesmo do oferecimento da denúncia, tendo por base a suposta pena “in concreto” que será fixada na sentença pelo magistrado.

(...) De um lado, os defensores de tal tese, rendem aplausos a esta precrição, pois encontram respaldo suficiente no princípio da economia processual, vez que é de se indagar a razão de movimentar-se inutilmente a máquina judiciária com um processo onde já se sabe de antemão, que após a prolação de um édito condenatório, será impossível a imposição de sanção penal, face a ocorrência da prescrição. Destaca-se, ainda, outro argumento a corroborar o acima citado, qual seja, o da inexistência de justa causa para o ajuizamento de uma ação penal, ante a impossibilidade de se atribuir uma futura reprimenda penal”

(Prescrição de Pretensão Punitiva Antecipada – Carlos Gabriel Tartuce Júnior, Celeste Leite dos Santos, Greice Patrícia Fuller, Olavo Berriel Soares, Silvio Cesar Fernandes Dias e Teresa Cristina da Cruz Camelo, Bol. JBCCrim 35/113).

A acusação carece de interesse de agir, como condição do exercício da ação penal, sempre que, diante das circunstâncias do caso concreto, for possível se verificar, de antemão, desconsiderando-se à possibilidade de aplicação da pena máxima, à incidência futura da prescrição da pretensão punitiva retroativa, à vista de eventual e possível pena a se aplicar.

A intervenção jurisdicional decorre da necessidade, que o autor tem, de obter, pela ação do Estado, o interesse material.

René Morel, relembrado por Frederico Marques, expressa que a jurisdição não é função que possa ser movimentada sem que exista motivo que justifique o pedido de tutela estatal.

O exercício da ação penal está sempre vinculado a uma situação concreta, juridicamente disputável.

Liebman, com sua proficiente precisão, ao cuidar do tema, disserta:

“A existência do interesse de agir é, assim, uma condição do exame do mérito, o qual seria evidentemente inútil se a providência pretendida fosse, por si mesma, inadequada a proteger o interesse lesado ou ameaçado, ou então quando se demonstra que a lesão ou ameaça que é denunciada, na realidade, não existe ou não se verificou ainda. É claro que reconhecer a subsistência do interesse de agir não significa, ainda, que o autor tenha razão quanto ao mérito; isto tão-só quer dizer que pode tê-la e que sua pretensão se apresenta digna de ser julgada”

(Corso de Diritto Processuale Civile, p. 49, in Instituições de Direito Processual Civil, v. 11/34, Frederico Marques, Forense, 1ª ed.).

A ação penal é a tentativa última de manter o controle social posto que a persecução penal, por si só, é elemento de força negativa do Estado, porque age através do temor e do terror, buscando o controle social.

O processo penal, por exigências processuais, sob o imperativo de princípios constitucionais, mostra-se jornada árdua, envolvendo um complexo trabalho do magistrado, do Ministério Público, da defesa, dos funcionários, numa atividade de tal porte que não se justifica sem um objetivo: dar resposta jurisdicional à pretensão punitiva estatal, sob feição final da coisa julgada.

Por tais considerações, nota-se que o processo que objetiva sanção penal sem possibilidade de atingir futura punição é estéril, não havendo fruto algum à gerar por meio deste.

Não ocorre ausência de justa causa, justificando o trancamento da ação penal, quando o fato descrito na denúncia constitui crime em tese e sua descrição ampara-se no inquérito. A instrução criminal é a via adequada ao deslinde das questões suscitadas. Ainda assim, a justa causa é questão priorística e necessária, devendo pois ser analisada logo na instauração do processo.

Nesse sentido, há recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no recurso em sentido estrito n.º 1999.04.01.006707, publicado no DJU de 07.02.2001. Vejamos sua ementa:

"PROCESSO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. CABIMENTO.

1 – A prescrição pela pena em perspectiva pode ser reconhecida, em face do caráter finalístico do processo e da utilidade do seu resultado. Estando demonstrado nos autos que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal são inteiramente favoráveis ao acusado, sendo ilícito pressupor que a pena não será fixada no seu máximo abstratamente previsto, pode ser reconhecida antecipadamente a extinção da punibilidade.

2 – Prescrição e extinção da punibilidade reconhecidas. Recurso Prejudicado."

Não obstante, sopra em favor do instituto em tela também o princípio da economia processual, segundo o qual deve-se procurar exprimir a "máxima eficiência na aplicação do direito, com o menor dispêndio de atos processuais possível." Tal princípio destaca-se em virtude de não haver razão para se movimentar a máquina judiciária estatal inutilmente, com um processo onde já se sabe de antemão que, após a prolação de um édito condenatório, será impossível a imposição da sanção penal, face a ocorrência da prescrição.

Constitui verdadeira inocuidade jurídica aguardar-se o decurso do período prescricional previsto para a pena máxima, se de antemão se confere a certeza que ela em hipótese alguma será aplicada e já fluiu o lapso prescricional em relação à sanção menor.

Nessas situações, a pena menor prevista, tendo em vista as condições jurídicas do réu, primário e de bons antecedentes, bem como as normais circunstâncias e conseqüências do ilícito, deve ser considerada como a máxima em abstrato e reconhecida antecipadamente.

Inexiste qualquer lógica ou razão jurídica em prosseguir com um processo contaminado pelo vírus da infertilidade.

Levá-lo às últimas conseqüências apenas para cumprir um formalismo é fazer prevalecer a forma sobre o conteúdo, o que atenta contra o bom senso.

Tal excesso de formalismo só acaba por abarrotar ainda mais os gabinetes, causando apenas um “engarrafamento de processos” e descontentamento, como o de uma gestante que deve carregar em seu ventre durante nove meses um fruto o qual sabe que nascerá morto.

A prescrição, qualquer que seja a sua modalidade, é matéria de ordem pública. No dizer de Espínola, “perde toda a significação, desde que esteja extinta a punibilidade. Daí constituir um princípio de economia do processo o de que, extinta a punibilidade do réu, deve isso ser logo declarado, esteja em que pé estiver a ação penal que, assim, tem o seu curso definitivamente paralisado.”

Outra razoável orientação que se levanta em favor da prescrição em perspectiva refere-se ao princípio do direito administrativo voltado para a boa administração do dinheiro público. Tal princípio destaca-se em virtude de que recursos de ordem material e intelectual serão gastos numa ação natimorta.

“Ex positis”, denota-se cristalinamente a necessidade da aplicação da prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, sempre que possível. Desta forma, estaria favorecendo até mesmo o acesso à Justiça, que poderia servir os cidadãos de forma mais eficiente, sem se preocupar com meras formalidades e sim com economia, celeridade e eficiência.