sexta-feira, 24 de abril de 2009

Homicídios no Município de São Paulo

Homicídios no Município de São Paulo: integrando informações para
ampliar o conhecimento do problema
.

Vilma Pinheiro Gawryszewski, Túlio Kahn, Maria Helena Prado de Mello Jorge

Introdução
O aumento das violências é hoje considerado um fenômeno global. Em 1996 a Organização
Mundial de Saúde declarou a violência como um importante problema de saúde pública
e, em outubro de 2003, publicou um relatório sobre violência e saúde com dados de vários
países do mundo15. Esse documento mostra que a questão dos homicídios é particularmente
grave na região das Américas, uma vez que os três países com maiores taxas de mortalidade
por homicídios, a partir dos dados estimados para o ano 2000, são a Colômbia, El Salvador
e Brasil (em ordem decrescente).
A análise dos dados para a população do Brasil, provenientes do Sistema de Informações
de Mortalidade do Ministério da Saúde mostra que, no ano 2000, 38,3% das mortes por
causas externas foram devidas aos homicídios13. Esse percentual tende a ser ainda mais alto
nos grandes centros urbanos brasileiros. Nesse aspecto, o Município de S. Paulo, o maior
centro urbano do país, pode ser considerado um bom exemplo, pois no ano de 2001, as
mortes por homicídios representaram 62,4% do total de óbitos por causas externas.
A fonte de dados utilizada usualmente para estudar os homicídios é a Declaração de
Óbito que, a despeito de fornecer informações importantes, carecem de dados sobre as
circunstâncias do evento e outras características dessas mortes. Para uma melhor orientação
das políticas de prevenção torna-se necessário a sua suplementação com outras fontes de
dados. Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde sugere a integração de informações
das fontes já existentes, como um caminho menos dispendioso de aumentar a conhecimento
acerca do problema, uma vez que podem ser utilizados registros rotineiramente realizados10.
A única experiência desse tipo conhecida entre os países da América Latina é na cidade de
Cali, Colômbia, que considerou este modelo como eficaz e oportuno na implantação de
um sistema para a vigilância epidemiológica dos homicídios4. Recentemente, os Estados
Unidos da América estabeleceu um sistema de informações para acompanhar as mortes
violentas naquele país por meio da integração dos dados provenientes das estatísticas vitais,
laudos de necropsia, registros policiais ou da Justiça o National Violent Deaths Reporting
System14.
Considerou-se importante verificar se uma proposta desse tipo poderia ser viável em uma
das grandes cidades brasileiras e quais seriam os ganhos obtidos com tal integração, uma
vez que os Estados Unidos da América é um país que dispõe de muito mais recursos para
implantação de sistemas de informações e a cidade de Cali, embora com altos coeficientes,
tem os números absolutos de homicídios menores4 que os encontrados nas principais
Capitais brasileiras13. O presente trabalho é um estudo que busca conhecer as informações
adicionais acerca da mortalidade por homicídios no Município de São Paulo que podem
ser obtidas a partir da integração dos dados das Declarações de Óbito, laudos de necropsia
e Boletins de Ocorrência Policial.
1
Material e método
As Declarações de Óbito foram consideradas a fonte primária dos dados, enquanto os laudos
de necropsia e Boletins de Ocorrências foram classificados como fontes suplementares. O
banco de dados primário, contendo o universo de homicídios ocorridos no Município de
São Paulo entre seus residentes, foi disponibilizado pelo Programa de Aprimoramento
das Informações de Mortalidade do Município de São Paulo (PRO-AIM). Não foram
incluídos os óbitos ocorridos em outros municípios. O critério de seleção do banco
obedeceu à Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde,
Décima Revisão, no qual os homicídios e agressões encontram-se classificados no Capítulo
XX sob os códigos X85 a Y09. A estes foram acrescidas as chamadas intervenções legais e
operações de guerra, codificadas entre Y35 a Y36.
Para proceder à suplementação de dados, foram selecionados os 2.844 homicídios ocorridos
no segundo semestre de 2001. Foram encontrados 2.714 laudos de necropsia no Instituto
Médico Legal correspondentes à esses óbitos (95,4% do total). As perdas podem ser
devidas ao fato do laudo estar em fase de elaboração, uma vez que alguns deles dependem
de exames mais demorados, ou por ter sido requisitado por familiares, advogados, entre
outros. A partir do número do Boletim de Ocorrência, Distrito Policial e Ano da ocorrência,
foi possível integrar o banco de dados com a base da Secretaria Estadual de Segurança
Pública (Infocrim), permitindo a análise de outras variáveis relevantes, como data e hora
da ocorrência, classificação jurídica das mortes, local da ocorrência e outras informações
cruciais para a compreensão do fenômeno. Foram encontrados 2.617 BOs, 92,0% do total
de mortes registradas no banco de dados primário.
As variáveis estudadas foram sexo, idade, meio de perpetração das mortes, uso de substâncias
psicoativas, natureza da lesão, assistência médica, data, horário e local da ocorrência. Essas
informações foram analisadas sob a forma de números absolutos, proporções e coeficientes.
Para a verificação de diferenças estatísticas foi utilizado o teste do Qui-quadrado de
Pearson. Para a construção de taxas foram utilizadas as estimativas da Secretaria Municipal
do Planejamento (SEMPLA/DEINFO)6, com base no crescimento demográfico entre os
Censos de 1991 e 2000.
Resultados obtidos a partir da coleta de dados
Em relação à distribuição por sexo e idade das vítimas, optou-se por apresentar análise
referente ao universo dos 6.018 homicídios ocorridos em 2001. As demais análises referemse
às mortes ocorridas no segundo semestre de 2001, para as quais procedeu-se à integração
dos dados provenientes das diferentes fontes.
1) Sexo e idade
Observou-se a predominância acentuada do sexo masculino, com 93,2% do total dessas
mortes. Os valores dos coeficientes de mortalidade (por 100.000 habitantes) são altos: 57,2
para o total da população; 111,1 para o sexo masculino e 7,4 para o feminino. A razão de
2
risco para o sexo masculino é 15,4 vezes o feminino.
A idade que apresentou o maior número de óbitos (moda) foi 19 anos. Mais da metade
dessas vítimas é formada por adolescentes e adultos jovens do sexo masculino, visto que os
homens na faixa de 15 a 29 anos concentram 56,0% do total dos homicídios. Decorrente
disso, os coeficientes nessa população chegam a valores muitos altos, com pico no grupo
de 20 aos 24 anos, com taxas atingindo 262,8/100.000; seguindo-se o de 25 aos 29 anos,
226,8/100.000 e 15 aos 19 anos, 205,4/100.000. A Figura 1 mostra a distribuição desses
coeficientes segundo sexo e faixa etária.
Embora com coeficientes bem menores que os homens (para todos grupos de idade), a
mulher que morre vítima de homicídio, também é, na maioria dos casos, jovem. O sexo
feminino apresenta os coeficientes e as proporções distribuídos de maneira próxima àquela
encontrada para o sexo masculino.
2) Os homicídios segundo o meio utilizado
Foram realizadas análises desses homicídios segundo o meio utilizado a partir das
informações constantes nas Declarações de Óbito e também nos laudos de necropsia. A
Tabela 1 compara os resultados obtidos nessas duas fontes.
Em ambas as fontes as armas de fogo causam a maior parte dessas mortes: 66,5% nas
Declarações de Óbito e 88,6% nos laudos de necropsia (essa proporção chega a 89,6%,
quando são somadas as mortes em que foram utilizados múltiplos meios). Os meios não
especificados que ocupam o segundo lugar a partir das Declarações de Óbito (22,6%),
representam somente 0,6% na pesquisa aos laudos. Nessa última fonte, os objetos cortantes
e penetrantes participam com 5,0% do total e as agressões corporais e agressões por objetos
contundentes, entre os quais encontram-se os espancamentos, chegam a 3,5%.
Analisando o uso das armas de fogo exclusivamente a partir dos dados dos laudos de
necropsia, considerado o padrão ouro para essa informação, observou-se que a sua utilização
varia segundo o sexo: os homens mostram proporções mais altas (89,3%) que as mulheres
(77,8%). Essa diferença mostrou-se estatisticamente significativa (X2=18,9;α=5%).
Também foram observadas variações segundo a faixa etária, com maior preponderância
entre os adolescentes e adultos jovens. A faixa de 15 e 29 anos exibe a proporção mais alta,
91,3%; seguem-se os indivíduos com 30 a 44 anos, 88,4%. Os percentuais mais baixos
foram encontrados entre as vítimas com idades entre 0 e 14 anos (74,1%) e nas idades mais
velhas. Entre os 67 casos com idade ignorada, que foram excluídos dessa análise, o uso de
armas de fogo apresenta proporções menores que a média (67,2%), enquanto as mortes por
objeto cortante e penetrante chegam a 19,0%, valor mais alto que a média.
3) Localização anatômica das lesões
Nas mortes violentas, enquanto a causa básica é uma informação fundamental para a
orientação de medidas preventivas, o conhecimento da natureza da lesão é igualmente
3
importante para orientar o planejamento e organização dos serviços de saúde, que devem
alocar recursos e profissionais para o atendimento das vítimas para as quais a prevenção
não logrou êxito.
As informações acerca da natureza da lesão a partir das Declarações de Óbito, geralmente
não são utilizadas, por serem consideradas de baixa qualidade. A pesquisa aos laudos de
necropsia permite obter informação fidedigna. Devido ao percentual elevado de mortes
decorrentes de armas de fogo, optou-se por apresentar somente os dados referentes às lesões
produzidas por esse tipo de arma. Além disso, dado que fica difícil saber, dentre todas as
lesões descritas qual a que levou à morte, optou-se por apresentar a localização anatômica
das lesões nas 2.405 vítimas de arma de fogo.
A média de projéteis por vítima é alta: 6,9. A cabeça foi o local anatômico mais
freqüentemente atingido, 68,9%, com uma média de 3,0 projéteis por vítima. Sabe-se que
os traumas cranianos determinam mortalidade alta, mesmo em situação de serviço de saúde
especializado. Segue-se a região dorsal, que concentrou 44,4% do total de lesões, com uma
média de projéteis de 2,8. Em terceiro lugar, encontra-se o tórax, respondendo por 41,0% das
lesões, cuja média de tiros foi 2,6. Por certo, esses dados permitem outras formas de análise,
aqui o denominador foi o número de vítimas e o numerador os segmentos corpóreos.
4) Assistência médica:
Em relação à avaliação se houve assistência médica às vítimas, pretendia-se comparar o
dado existente na Declaração de Óbito com aquela coletada nos laudos de necropsia. A
análise dessa informação a partir da DO mostrou que para a maioria desses óbitos (66,0%),
os pacientes foram transportados para o hospital, não significando obrigatoriamente, que
os indivíduos tenham chegado a receber algum tipo de assistência. Porém, o número de
mortes ocorridas em via pública foi muito baixo (0,1%), o que se mostrou contraditório
com a informação de anos anteriores, em estudos nessa mesma fonte7, por isso esse dado
não foi analisado.
Em virtude das armas de fogo serem o principal instrumento para a execução do homicídio,
a hipótese inicial era de que a maior parte destas vítimas, não se beneficia da assistência
médica, o que se confirmou com a análise dos laudos de necropsia, onde consta que 43,7%
(1187 vítimas) chegaram a ser encaminhadas para hospitais. Os hospitais que receberam
o maior número de vítimas de homicídios no segundo semestre de 2001, a partir da
informação dos laudos de necropsia, foram aqueles localizados nas zonas sul e leste do
Município, coincidindo com as regiões que apresentam coeficientes de mortalidade mais
altos para essas causas.
5) Uso de álcool e outras substâncias psicoativas
Os dados apresentados na Tabela 2 dizem respeito ao uso de substâncias psicoativas nas
vítimas de homicídios. De um total de 2.714 laudos examinados, o exame toxicológico não
foi solicitado para 1.492 vítimas (55,0%). Entre aquelas que tiveram o exame solicitado, para
um pouco mais que a metade (55,8%) o resultado foi negativo. O álcool foi a substância
4
mais utilizada entre estas vítimas (42,5%). O uso de cocaína sozinha, ou associada ao álcool
apresentou percentuais muito baixos (0,7%).
Visto não ser conhecido o critério para solicitação de exame, esses percentuais não devem
ser generalizados para o conjunto das vítimas. Feita essa ressalva, os resultados mostrados
a seguir dizem respeito somente às vítimas que tiveram o exame solicitado. O exame
toxicológico é provavelmente solicitado quando a autoridade policial suspeita do uso de
substância pela vítima, o que pode elevar os percentuais encontrados.
Foi encontrada maior proporção de consumo de álcool no sexo masculino, 44,0%,
enquanto nas mulheres foi de 24,0%. Os cálculos realizados mostraram que essa diferença
é estatisticamente significativa (X2=10,4; α=5%). Em relação à faixa etária das vítimas de
homicídios que tiveram o exame toxicológico realizado pelo IML, observa-se que nas idades
mais jovens e mais velhas, o percentual de resultados positivos para o álcool é menor que
a proporção da média. Porém, nas faixas mais velhas tanto o número absoluto de vítimas
quanto o percentual de exames solicitados são menores. A faixa de 30 a 44 anos apresenta
51,2% de positividade para o álcool entre as vítimas. Seguem-se os de 45 a 59 anos com
47,2%.
A análise do consumo de álcool (excluídos aqueles cujo exame não foi solicitado) segundo o
meio utilizado para a perpetração dos homicídios também mostrou diferenças. Entre aqueles
cometidos por arma de fogo, 41,0% das vítimas tinham feito uso de álcool, enquanto para
os outros meios (arma branca, objeto contundente etc), esse percentual é maior, chegando
a 58,9% (Figura 2). Essa diferença mostrou-se estatisticamente significativa
(X2=16,5; α=5%).
6) Dia e horário da semana
A análise dos dados do Boletim de Ocorrência, onde consta o dia e horário da ocorrência,
verificou-se que os dias da semana que apresentaram maior proporção dessas ocorrências
correspondem aos finais de semana, concentrando 50,0% do total de casos: sábado (500
vítimas), domingo (462) e sexta feira (348). A quarta feira é o dia com menor número de
vítimas (233). É durante a noite e madrugada que a maior parte desses crimes ocorreram
(entre 19:00 horas e 1:00 foram registrados 41,1% dos eventos). Essa fonte também
possibilitou o conhecimento do local de ocorrência do evento, tendo sido verificada a
coincidência entre local de residência da vítima e local de ocorrência do crime para 50,6%
das vítimas. Para 24,0% dos óbitos essas localidades eram próximas e para 17,3% deles, os
locais de residência e ocorrência eram diferentes.
Discussão
Entre as limitações do estudo, que devem ser apontadas, está a dificuldade de estabelecer se
as vítimas que foram transportadas até os hospitais chegaram a receber alguma assistência
médica nesses locais, uma vez que nos laudos de necropsia consta o nome do hospital de
procedência do corpo, mas só são descritas as intervenções maiores tais como traqueostomias
ou incisões cirúrgicas. Ainda assim, essa é uma informação fundamental de ser quantificada,
5
na medida em que é possível conhecer quais são os hospitais com maior demanda para estas
vítimas e, conseqüentemente, planejar ações para melhorar o atendimento neles realizado.
Uma outra limitação diz respeito aos resultados acerca do uso de álcool e outras substâncias
psicoativas, pois esses exames são realizados pelo Instituto Médico Legal, somente quando
há solicitação das Delegacias Policias responsáveis pela área ou pelos próprios médicos
legistas. Portanto, os percentuais encontrados percentuais não devem ser generalizados
para o conjunto das vítimas, visto não ser conhecido o critério que norteia essa seleção.
Em relação à mortalidade por causas externas é comum apontar que as faixas mais jovens
são preferencialmente atingidas; no entanto, essa tendência é mais pronunciada entre os
homicídios quando comparados às vítimas fatais de acidentes de transporte, suicídios e
quedas7. Embora generalizada, a violência tem elegido os jovens das regiões metropolitanas
como alvo e instrumento preferencial, atingindo as pessoas no início de sua vida produtiva.
Essas perdas precoces de vidas já apresentam reflexos na expectativa de vida da população.
Além disso, os coeficientes encontrados são altos. Na cidade de Los Angeles, considerada
nos Estados Unidos como um local com altos índices de homicídios, o coeficiente de
mortalidade por essa causa, no ano de 1996, para a população geral, foi 14,0/100.000. No
entanto, quando se considera o grupo afro-americano do sexo masculino com idade entre
15 a 34 anos, a taxa chega a 164,2/100.0008, valor bem menor que o observado nos homens
residentes na cidade de S. Paulo, nesta mesma faixa etária, que alcança 222,7/100.000.
O percentual de uso de armas de fogo é consistente com dados de anos anteriores para o
Município de São Paulo7 e para o Recife7, que mostram percentuais maiores que 90% entre
os homicídios. Essas armas são reconhecidamente mais prováveis de resultar em morte do
que qualquer outra, sendo fortes aliadas do aumento da violência (tanto nos homicídios,
quanto nos suicídios) e acidentes.
A despeito da reconhecida questão cultural que envolve a posse de armas na sociedade
americana, elas foram responsáveis por 64,7% das mortes por homicídios, no ano de
2000 nos Estados Unidos da América2. Em Cali, Colômbia, cidade que apresenta taxa de
mortalidade por homicídios mais alta que a verificada no presente estudo, o percentual de
uso de armas de fogo também é menor, tendo variado entre 79,3% a 84% entre os anos de
1993 e 19984. Tais dados apontam a gravidade desse problema na sociedade brasileira, que
a própria área da saúde conhece e discute ainda pouco.
Considera-se que arma de fogo e álcool são fatores criminógenos, na presença dos quais, num
contexto previamente conflitivo, a violência é exponenciada. Porém, as armas de fogo são
somente um meio para a perpetração do crime, pois outros fatores devem estar envolvidos.
Costa3 aponta que, embora em Israel e na Suíça a população tenha acesso a essas armas,
as taxas de homicídio não são altas. Por isso aponta-se a necessidade da realização de mais
estudos para elucidar os fatores ligados ao uso de armas de fogo em nosso meio.
A intenção de produzir a morte fica evidente ao se verificar a média alta de projeteis por
vítima e a grande concentração de ferimentos na área da cabeça (68,9% das vítimas).
Também Falbo6, em estudo realizado no Recife com vítimas de homicídio, mostrou que
6
71% das vítimas haviam sido alvejadas na cabeça. É possível que esse fato tenha contribuído
para que a maioria das vítimas não se beneficiou de assistência médica. Isso aponta que
as medidas para a redução dessa mortalidade devem dar ênfase à prevenção primária. E,
aqueles locais que recebem um maior número de vítimas, devem ter uma melhor alocação
de recursos humanos e materiais, desenvolvimento de protocolos específicos e capacitação
dos profissionais. Igualmente importante é o estabelecimento de um bom atendimento já
na fase pré-hospitalar.
Chama atenção a alta prevalência de utilização do álcool entre as vítimas de homicídio
que tiveram o exame toxicológico realizado (42,5%) apontando que mais estudos devam
ser realizados para elucidar o papel do álcool na potencialização dos conflitos sociais que
resultam em morte, em nosso meio. Esse resultado é próximo ao encontrado em pesquisa
realizada com vítimas não fatais de agressões atendidas em um importante serviço de
emergência do Município de São Paulo, onde percentual de alcoolemia encontrado foi
46,2%5. O perfil desses pacientes, maior prevalência no sexo masculino e na faixa etária de
25 a 44 anos, também coincide com o encontrado no presente. Os resultados encontrados
em Cali, Colômbia, entre as vítimas de homicídios, são menores, variando entre 13,0 e
23,4%, no período de 1993 a 19984.
Enquanto na literatura nacional ainda são poucos os estudos desenvolvidos nessa área, na
literatura internacional são vários os trabalhos que apontam associação entre o uso de álcool
e comportamentos violentos1;9. Em 1996, a Universidade de Colorado, nos Estados Unidos,
baniu a venda de bebidas alcoólicas em seus estádios de futebol, fazendo cair drasticamente
os registros de incidentes, tais como prisões, assaltos e expulsões do estádio1. Entre 1992
e 1996, foi conduzido um estudo na Califórnia para determinar o efeito de intervenções
na redução das altas taxas de acidentes de carro e agressões, relacionadas ao consumo de
álcool. As intervenções englobaram ações educativas e repressivas, tais como a mobilização
da comunidade, maior responsabilidade nos locais de comércio de bebidas, maior respeito
à idade limitada por lei para o consumo de álcool entre os jovens e a intensificação das
prisões de pessoas que infringiam as leis que regulam o uso dessas bebidas. Os resultados,
provenientes das emergências hospitalares, comparados com comunidades onde não houve
implantação de qualquer medida, mostraram que os acidentes de trânsito declinaram 10%
e as agressões 43%, nas comunidades com intervenção9.
Mas, cabe lembrar que, da mesma forma que as armas de fogo, o álcool atua como um dos
fatores, mas não é a causa das violências. Além disso, o indivíduo sob o seu efeito, pelo
prejuízo na atenção e capacidade de julgamento, pode apresentar maior vulnerabilidade nas
situações de acidentes e violências.
Os resultados encontrados nesse trabalho mostram a viabilidade e utilidade da integração
de informações das estatísticas vitais e laudos de necropsia, que já são rotineiramente
produzidas por órgãos oficiais. A proporção de 95,4% de laudos de necropsia encontrados
foi considerada adequada para as análises realizadas. A vigilância de lesões por arma de fogo
implantada no Estado de Maryland, Estados Unidos da América, encontrou uma proporção
de 92,5% para o mesmo tipo de integração16. A proporção de integração com os Boletins de
Ocorrência Policial também foi considerada satisfatória (92,0% ), resultando em um maior
7
conhecimento do problema, a partir do levantamento de importantes variáveis que não são
conhecidas e/ou usualmente estudadas, além de agregar qualidade aos dados.
As violências vêm se tornando um ônus significativo para as populações de todo o mundo
e diminuir sua morbi-mortalidade é um dos principais desafios para a saúde pública neste
século que se inicia. Embora de grande complexidade, este é um problema que pode ser
compreendido e mudado. Pesquisadores nas últimas duas décadas tem demonstrado que
a violência pode ser prevenida e que, programas de prevenção são mais custo-eficientes
que outras políticas tais como o encarceramento10. Se a população brasileira almeja viver
em uma sociedade menos violenta, é preciso avançar no conhecimento acerca dos fatores
de risco em nosso meio, para poder planejar de uma maneira mais precisa e científica, os
possíveis caminhos de atuação.
Bibliografia:
Bormann Ca, Stone MH. The effects of eliminating alcohol in a college stadium: the Folsom
Field beer ban. J Am Coll Health 2001 Sep; 50(2):81-8.
CDC, Centers for Disease Control and Prevention, em 03/09/03.
http://www.cdc.gov/ncipc/wisqars/
Costa MR. A violência urbana é particularidade da sociedade brasileira? São Paulo em
Perspec 1999; 13 (4): 3-12.
Concha-Eastman A, Espitia VE, Espinosa R, Guerrero R. La epidemiología de los
homicidios en Cali, 1993-1998: seis anos de un modelo poblacional. Rev Panam Salud
Publica/ Pan Am J Public Health 12(4): 230-238, 2002.
Demetriades D. et al. Epidemiology of major trauma and trauma deaths in Los Angeles
County. J Am Coll Surg Oct 1998; 187 (4) :373-83.
Falbo GH, Buzzetti R, Cattaneo AA. Homicíde in children and adolescents: a case-control
study in Recife, Brazil. Bulletim of the World Health Organization, 79 (1): 1-7. Geneve,
2001.
Gawryszewski, VP. Homicídios no Município de São Paulo. São Paulo; 2002. [Tese de
Doutoramento – Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da
USP]
Gazal-Carvalho C, Carlini-Cotrim B, Silva AO, Sauaia N. Prevalência de alcoolemia em
vítimas de causas externas admitidas em centro urbano de atenção ao trauma. Rev. saúde
pública;36(1):47-54, fev. 2002.
Holder HD, Gruenevald PJ, Ponicki WR, Treno AJ, Grube JW, Saltz RRB, Reynolds R,
Davis J, Sanchez L, Gaumont G, Roeper P. Effect of community-based interventions on
high-risk drinking an alcohol-related injuries. JAMA 200 Nov 8; 284 (18):2341-2347.
Holder Y, Peden M, Krug E et al (Eds). Injury surveillance guidelines. Geneva. World
Health.
Secretaria Municipal de Planejamento-SEMPLA/DEINFO. Em 03/09/03.
http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/planejamento/sp_em_numeros/dados_
8
socioeconomicos/demografia/0001/0004.
Mercy JA, Krug EG, Dahlberg LL, Zwi AB. Violence and Health: the United States in a
global perspective. American Journal of Public Health. February 2003, vol. 92, No. 12:256-
261.
Ministério da Saúde. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/obtmap.htm. Em 03/09/03.
Paulozzi LJ, Mercy J, Frazier L Jr, Annest JL. CDC’s National Violent Death Reporting
System: background and methodology. Inj Prev. 2004 Feb, 10(1):47-52.
WHO – World Health Organization. World report on violence and health.
http://www.who.in/violence_injury_prevention. Em 06/10/2002.
Wiersam B, Loftin C, Mullen RC, Daub EM, Sheppard MA, Smialek JE, McDowall D.
Fatal firearm-realted injury surveillance in Maryland. Am J Prev Med 1998; 15(3S):46-
55
Mercy JA, Krug EG, Dahlberg LL, Zwi AB. Violence and Health: the United States
in a global perspective. American Journal of Public Health. February 2003, vol. 92, Nº.
12:256-261.
9